Estudo do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura, apresentando no Global Business Forum, analisa o desempenho global dos sistemas alimentares, elenca seus problemas nas várias etapas e propõe analisar fatores externos com implicações nos sistemas, para ações conjuntas mais precisas, justas e efetivas
São Paulo, 27 de junho de 2024 – Entre os diversos desafios em tempos de mudanças climáticas, escassez de recursos naturais e piora dos indicadores de fome e insegurança alimentar nos últimos anos, a transformação dos sistemas alimentares é cada vez mais urgente. Mas como mudar um intrincado e complexo sistema que começa na plantação e termina no consumidor, passando por processamento, transporte, distribuição e consumo e com implicações econômicas, sociais, culturais e na saúde animal e das pessoas?
Com o objetivo de reduzir as resistências às mudanças necessárias e criar mais engajamento dos diversos setores e atores implicados no desafio, no documento Sobre os Sistemas Alimentares “Falidos” e Outras Narrativas, o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) propõe uma abordagem que considere não apenas os custos, mas também os benefícios do atual funcionamento desses sistemas, e sugere trocar a narrativa de “sistemas falidos” por “verdadeiro valor dos alimentos”.
Em linhas gerais, isso significa trocar o argumento de que os custos ocultos do atual funcionamento dos sistemas, – com relação à saúde, pobreza e meio ambiente -, superam o valor monetário dos alimentos, por uma narrativa de “verdadeiro valor do alimento”, esclarecendo criteriosamente a natureza dos chamados custos ocultos, ao determinar se esses custos são consequências dos sistemas alimentares ou de falhas de mercado, questões pecuniárias, problemas de justiça e inequidade, entre outras consequências com causas além dois sistemas alimentares.
O estudo foi apresentado hoje no Global Agribusiness Forum (GAF), que integra o Global Agrobusiness Festival, em São Paulo, maior evento mundial do Agronegócio, organizado pelo Datagro, que espera reunir cerca de12 mil pessoas ligadas ao setor, além de gestores públicos e políticos, entre hoje e amanhã. O coordenador da região Sul e representante do IICA no Brasil, Gabriel Delgado, participou como palestrante no painel sobre Sustentabilidade no Agro. O estudo foi apresentado na sequência pelo consultor do IICA Eugenio Diaz-Bonilla, que é pesquisador sênior do Instituto Internacional de Pesquisa sobre Políticas Alimentares (IFPRI), um dos autores do estudo.
O documento analisa o desempenho global dos sistemas alimentares e sua eficiência na alimentação, e elenca os diversos problemas nas várias etapas. Os autores abordam os efeitos negativos dos sistemas alimentares no meio ambiente, – como emissão de gases poluentes, desmatamento, degradação do solo e perda de biodiversidade -, e destacam a necessidade de práticas agrícolas mais sustentáveis.
Também são abordadas mudanças já adotadas nos sistemas e nos padrões de consumo, impulsionadas por fatores econômicos, tecnológicos e sociais. O documento ressalta a importância de adaptar esses sistemas às necessidades nutricionais e de saúde da população.
De acordo com a publicação, para melhorar os sistemas agroalimentares, é preciso compreender seu funcionamento integral e desenhar políticas públicas baseadas em uma análise detalhada de seus custos e benefícios. Os autores ressaltam a importância da cooperação internacional e da participação de todos os atores envolvidos para melhorar os sistemas de forma sustentável e na adoção de políticas púbicas baseadas em evidências científicas.
Os sistemas alimentares se tornaram um foco importante dos esforços globais para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030. Por isso, as Nações Unidas convocaram a Cúpula sobre os Sistemas Alimentares, em 2021, para analisar seu funcionamento, em todo o mundo, e começar a desenhar estratégias de mudanças e adaptações. Na ocasião, o IICA organizou um documento com as mensagens chave dos ministros da Agricultura e Pecuária das Américas.
Para o IICA, os produtores agrícolas devem estar devidamente representados nas discussões sobre as mudanças e adaptações, as decisões e políticas devem estar fundamentadas em ciência e a agricultura deve ser encarada como parte da solução para os desafios.
“É importante entender bem os sistemas, incentivos e fatores estruturais, para desenhar normas que ajudem os sistemas alimentares a produzir o suficiente e com diversidade para todos, com produtos seguros e nutritivos e produzidos com sustentabilidade social, econômica e ambiental”, disse Eugênio Diaz-Bonilla, que apresentou o estudo. “Transformar os sistemas alimentares é um grande desafio, mas estamos certos de que é possível. E, para isso, a cooperação internacional é crucial e urgente”, disse Gabriel Delgado, coordenador da Região Sul e representante do IICA no Brasil.
Na abertura do Fórum, o secretário de comércio e relações internacionais do Ministério da Agricultura, Roberto Perosa, que representou o ministro Carlos Fávaro no evento, disse que a meta da pasta é fechar 2024 com a abertura de 100 novos mercados para o agro brasileiro. O minsitro de Agricultira do Uruguai, Fernando Mattos, que também participou da abertura do Fórum, ressaltou que o agro é parte da solução para mitigar os impactos das mudanças climáticas, não o vilão, mas vítima das alterações do clima. “Neste sentido, é preciso colocar cada vez mais a Ciência no debate”, disse na abertura.
Por que transformar os sistemas alimentares?
– De cada dez pessoas, aproximadamente uma sofre de fome; uma de sobrepeso e mais de 40% da população mundial carece de renda suficiente para ter uma dieta saudável;
– Em todo o mundo, boa parte da população pobre trabalha em sistemas alimentares, que são responsáveis por cerca de metade dos empregos. São pequenos produtores, trabalhadores mal pagos, e operadores informais em diferentes partes das cadeias de valor dos alimentos;
– Os sistemas alimentares representam cerca de um terço das emissões mundiais de gases poluentes. Ao mesmo tempo, são muito vulneráveis aos eventos climáticos extremos.
– Nos últimos 20 anos, houve perdas de 5.1 milhões de hectares de florestas, boa parte relacionada com a expansão da agricultura. Perdas que, com as práticas agrícolas inadequadas, degradam solos, contaminam fontes de água e reduzem a biodiversidade;
– A Cúpula dos ODS, em 2019, identificou os sistemas alimentares como uma das seis áreas sistêmicas e transversais para acelerar os avanços necessários;
Por que considerar os aspectos positivos dos sistemas alimentares?
– O fato de cerca de 735 milhões de pessoas passarem fome diariamente é uma tragédia humanitária, mas os principais problemas de insegurança alimentar se devem à pobreza e ao acesso econômico e menos à produção;
– Os sistemas precisam de ajustes, mas os aspectos positivos devem ser fortalecidos e não interrompidos, como no caso dos sistemas alimentares das Américas, cruciais para a segurança alimentar mundial do ponto de vista da oferta;
– Apesar da população mundial ter aumentado de 3 bilhões em 1960 para quase 8 bilhões em 2022, a produção mundial aumentou ainda mais, inclusive nos países menos desenvolvidos com déficit de alimentos, segundo os critérios da FAO. – Consequentemente, entre 2020-2022, apenas 29 dos os 189 países do mundo com dados disponíveis, ou 15%, apresentaram oferta de energia alimentar média abaixo do nível de suficiência exigido. No caso da América Latina e do Caribe (ALC), desde o início da década de 1960 até o presente, apesar de a população ter triplicado, a oferta calórica per capita cresceu entre 28,6% e 35,4% e o das proteínas entre 37,7% e 42,2%.
– O aumento da produção agrícola total ocorreu com uma expansão relativamente limitada das terras agrícolas mundiais: de cerca de 4.440 milhões de hectares em 1960 a quase 4.820 milhões de hectares em 2021, cerca de 8,6%. No caso da América Latina e do Caribe, a área agrícola aumentou de quase 569 milhões de hectares em 1961 para cerca de 662 milhões de hectares em 2021, 16,3%
– Em geral, a agricultura e produção alimentar na ALC superaram o crescimento global nessas categorias durante as últimas cinco a seis décadas. Por isso, a região aumentou sua participação na produção agrícola e alimentar mundial total de cerca de 10% do valor total (a preços constantes paridade de poder de compra) na década de 1960 para cerca de 13% atualmente. Durante a década de 2000, a região se tornou líder em exportações líquidas de alimentos no mundo (mais da soma das exportações líquidas dos Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e, em anos diferentes, que a União Europeia).
– O aumento da produtividade foi alcançado por meio de inovação e ciência. Melhoradas, as tecnologias, elas podem não apenas reduzir as emissões, mas também expandir a capacidade da agricultura de capturar carbono;
– As críticas à pecuária incluem uma variedade de sistemas de produção sem considerar as diferenças entre sistemas intensivos confinados e sistemas extensivos de pastagens como os da América Latina e Caribe, que capturam volumes consideráveis de carbono.
“Sobre os sistemas alimentares falidos e outras narrativas”
Autores: Eugenio Díaz-Bonilla, Eduardo Trigo, Rosario Campos
sob a direção de Manuel Otero, diretor-geral do IICA