São José, 10 de setembro de 2025 (IICA) – Erick Geovany Ac Tot, um destacado empreendedor de cacau na Guatemala que trabalha há anos ajudando organizações de pequenos produtores, fomentando os cultivos de qualidade e resgatando árvores ancestrais, além de trabalhar como degustador, foi reconhecido pelo Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) como um Líder da Ruralidade das Américas.
Em reconhecimento ao seu trabalho, Ac Tot receberá o prêmio “Alma da Ruralidade”, uma consagração que forma parte de um programa do IICA para dar visibilidade aos homens e mulheres que fazem a diferença e deixam sua pegada nos campos do continente, personalidades essenciais para a sustentabilidade da região e do planeta e para a segurança alimentar e nutricional.
“Os meus dois sobrenomes, curtos, são de origem indígena, da etnia maia Q’eqchi, da zona onde nasci e cresci, no norte da Guatemala, na zona de Alta Verapaz”, começa contando Erick, para que não fiquem dúvidas sobre sua forte conexão com a terra do seu país e com o legado daqueles que, em tempos prévios à conquista e colonização, já cultivavam e consumiam o estimado cacau.
Centos de anos depois, Erick age como um verdadeiro explorador no rastreamento e resgate de árvores de cacau crioulo escondidos nos bosques do seu país, muitas vezes difíceis de penetrar. Essas árvores “cresceram sem ser semeadas” e são basicamente idênticas às que eram cultivadas pelos maias. Porém não se trata só de um amor pela aventura: essas plantas contêm DNA de um dos melhores cacaus do mundo e seu resgate tem um impacto direto na qualidade do produto desenvolvido na Guatemala e exportado aos mercados mais exigentes de chocolate.
Mas para este produtor, tudo começou em uma aldeia fundada por um punhado de famílias de migrantes internos, entre elas a dos seus avós, que chegou até o norte de Alta Verapaz na década de 1950 com o impulso de um programa de desenvolvimento agrícola do então governo. Nos primeiros tempos se estabeleceram apenas três famílias, “basicamente para alugar terra para produzir milho, criar porcos e cultivar outras plantas, como feijão”, conta Erick.
Com o tempo, a aldeia foi crescendo, “se uniram mais famílias e em algum momento formaram uma cooperativa por meio da qual compraram a terra e se estabeleceram parcelas”, amplia. Então sim, “cada um teve sua área de terreno, onde já estavam cultivando várias coisas, entre elas o cacau, que é um dos pilares do nosso negócio atual”.
Erick trabalha com várias organizações de pequenos produtores e cooperativas do norte da Guatemala.
Entre o cacau e o futebol
O maior de sete irmãos, e o único que nasceu naquela aldeia, de jovem se foi para Cobán, a cidade mais importante do departamento de Alta Verapaz (com um belo nome que, em maia yacuteco, quer dizer “codorna”). O seu pai tinha conseguido lá um bom emprego e Erick pode estudar e se formar em Agronomia pela Universidade de San Carlos de Guatemala.
“Voltava para a aldeia, à casa dos meus avós, em cada oportunidade que tinha, como nas férias de fim de ano”, lembra Ac Tot. “Eu gostava muito porque, naquela época, o lugar era um paraíso de selvas e animais silvestres onde a minha família tinha encontrado a forma de cultivar a terra”.
Ainda assim, os anos universitários poderiam ter levado para um caminho muito diferente ao do cacau e da produção rural. É que, com o objetivo de financiar os custos dos estudos, Erick começou a jogar futebol de forma profissional. Inclusive, conta, chegou a usar a camiseta do primeiro time de Cobán Imperial. A bola e o gerenciamento dos negócios no futebol não o convenceram, e terminou a carreira e rapidamente se dedicou a implementar na prática o que tinha aprendido nas aulas.
O seu primeiro trabalho foi para um programa de cooperação europeu que realizava projetos de desenvolvimento comunitário com componentes agropecuários, logo um emprego na universidade e, finalmente, a volta às terras onde cresceu, para outro projeto de cooperação, “muito focado na conservação”, mas também nas relações com as comunidades de produtores ao redor do parque natural que corona a zona de Lachuá.
Era um programa da União Internacional para a Conservação da Natureza com o qual passou 12 anos, e que terminou aproximando-o ao assunto principal do seu atual projeto empresarial e de fomento: a cadeia de valor do cacau. Uma questão que o conectou com seus primeiros anos, quando na aldeia dos seus avós se cultivava cacau “de uma forma muito tradicional” de pátio, sinaliza Erick.
Já “muito metido neste mundo” do cacau, segundo descreve o empreendedor, era questão de acumular experiência e conhecimentos até chegar aonde está hoje, quando lidera empresas como Guatemala Finest Kakau e Guatemala Cacao Company, além de participar na direção da fazenda familiar, que leva o nome da sua mãe, Ana Maria.
Uma classe magistral
Na fazenda Ana Maria, a chave é a exportação do cacau de alta qualidade, mas também a genética. “Temos 25 anos de estar selecionando árvores, tomando em conta os quatro fatores principais desta indústria: produtividade, tolerância às doenças, compatibilidade ao momento da polinização e perfil de sabor”. Ao mesmo tempo, Erick continua trabalhando com várias organizações de pequenos produtores e cooperativas do norte da Guatemala, onde, assegura, se concentra 53% da produção nacional de cacau.
Também mantêm alianças com organizações locais e regionais, governamentais ou privadas, para procurar fundos de cooperação que possam ser investidos no desenvolvimento dessas associações comunitárias de cultivadores para “melhorar seus níveis de produção, de conhecimentos para gerenciar as plantações a cadeia após a colheita. E, em alguns casos, também para transformar o cacau em chocolate e seus derivados”.
Ac Tot encontra tempo também para se dedicar a uma profissão sonhada, a de degustador de cacau. Embora advirta que “as vezes há amostras que não são muito boas”, Erick tira de uma estante um exemplo dos pequenos recipientes para pasta de cacau 100% que são utilizados para essa tarefa e repassa o processo em uma verdadeira master class por Zoom.
Tudo começa com essa leve quantidade de pasta de cacau e se aplica um método desenvolvido pela organização internacional Cacau de Excelência, dedicada ao controle da qualidade desse produto. Existem estândares que tem a ver com o tamanho do grão, com a umidade e outros fatores naturais, também se são respeitadas com cuidado normas para torrar ou transformar em licor. Quando entram na cena os degustadores, esses especialistas prestam atenção em fatores que vão desde os sabores básicos (como azedume e adstringência) às notas frutais e florais.
“Você deve ir identificando o que percebe na amostra e dar uma pontuação, de 1 a 10”, revela o empreendedor guatemalteco, que enfatiza que para essa tarefa “é necessário se formar, é lógico”. Durante este treinamento, aclara, “nos dão para provar tudo o que podemos provar, de coisas muito boas até coisas muito ruins”. De fato, simplifica, uma forma de treinar o paladar é “aonde quer que vá, prova o que for”.
Ac Tot compartilha alguns detalhes mais desse processo. Por exemplo, se a nota da amostra não é superior a 6.9 se considera que tem algum defeito e não é considerada para produtos de alta qualidade. Se está perto do 7, “quer dizer que não é uma amostra muito complexa, que tem gosto de cacau e algumas notas complementárias, mas não é nada excepcional”. Já para o segmento entre 8 e 9 se fala de um cacau “que tem um bom nível de complexidade em diferentes tipos de notas, um perfil que dura mais tempo no paladar e é muito agradável”.
Chegando ao terreno de sabores míticos, uma nota entre 9 e 10 é algo praticamente inédito. “Nunca vimos uma nota dez em um cacau, seria algo muito raro”, reconhece.
Todo esse conjunto de regras não significa que existam perfis estritos para o cacau, porque alguns degustadores ou consumidores de produtos de chocolate de alta qualidade podem preferir ou não as notas florais ou frutais ou preferir uma acidez muito intensa. Segundo Erick, também tem muito a ver “as preferências do mercado”, ou seja, o que estejam procurando em determinado momento os fabricantes da Europa, Ásia ou Estados Unidos que importam o cacau.
Ac Tot encontra tempo também para se dedicar a uma profissão sonhada, a de degustador de cacau.
Passado e futuro
O caminho à excelência leva Ac Tot e outros produtores e especialistas à procura de outros elementos legendários, como as árvores de cacau crioulo no norte da Guatemala, que vêm transportando no tempo a genética dessa planta que os maias domesticaram há 3000 anos. No caso de Erick, sua primeira experiência com uma dessas árvores ancestrais começou quando um tio lhe disse: “Olha, o meu sogro tem uma fazenda, uma parcela, e lá há duas árvores perdidas no bosque, ninguém semeou, e lá estão”.
Depois de viajar para a fazenda, Ac Tot e seus companheiros de expedição andaram três horas por uma zona com vestígios de civilizações antigas. “Se estiveram os maias, certamente há cultivos de cacau”, estava convencido o produtor guatemalteco. A tarefa não foi fácil no meio de tanto verde intenso, mas chegou o momento em que olharam para cima e conseguiram ver as características espigas de cacau crioulo, que “não se pareciam a nenhuma outra que tenhamos visto nas plantações”.
Abriram uma dessas espigas e encontraram as sementes totalmente brancas. O resultado foi “uma emoção muito grande, porque se acreditava que já não existiam e, pior ainda, cada ano mais áreas de bosque se convertem em terras de cultivo ou pastagem para gado”, comenta Ac Tot. Desde então, afirma, já foram detectados ao menos 15 lugares com cacau maia ancestral em diferentes lugares do norte da Guatemala, em Petén, Izabal ou Alta Verapaz.
“Com cada material que encontramos realizamos a georreferencia, o registro, a documentação de fotos e medidas, colhemos espigas. Já temos um jardim clonal com esses materiais”, disse Erick.
Com a mira no futuro, e como parte deste caminho que leva o cacau desde o passado pré-colombiano até o futuro da globalização, Ac Tot sinaliza algumas peças do seu trabalho atual, desde a fábrica de chocolate que está desenvolvendo junto com uma das suas filhas em Cobán, até a amplificação de vários hectares da fazenda Ana Maria, entre outros projetos que avança junto aos seus irmãos, sua mulher e seus outros três filhos profissionais.
O cacau, declara, “é parte da nossa cultura, parte das nossas tradições”. E nos tempos dos maias ou olmecas, lembra, além dos seus usos alimentares e rituais, chegou a ser usado até como moeda. É lógico, então, que o cacau seja agora o elemento que potencializa o desenvolvimento da economia dos guatemaltecos.
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