Após a assinatura do Acordo de Doação com FIDA, IICA e Embrapa Tabuleiros Costeiros assinam Acordo de Cooperação Técnica (ACT), fortalecendo a agricultura familiar e promovendo metodologias participativas para sistemas alimentares resilientes às mudanças climáticas.
Por Acsa Macena
Em sua primeira edição no Semiárido, o 13º Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA), acontece no campus da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), em Juazeiro, Bahia, e sedia o lançamento de alto nível do projeto trinacional Raízes Agroecológicas (GP-SAEP). O evento que aconteceu dia 17/10 celebra a iniciativa que une Brasil, Argentina e Bolívia em prol da agroecologia, da soberania alimentar e da valorização das sementes locais.
O evento, realizado de forma híbrida, contou com representantes da União Europeia, do Diretor-País do FIDA no Brasil, do IICA, do Secretário Técnico da REAF-MERCOSUR, além de pesquisadores e direção da Embrapa, equipe de coordenação do projeto, parceiros nacionais do programa na Argentina e Bolívia e outras iniciativas comprometidas com a transição agroecológica e o fortalecimento da agricultura familiar.
Financiado pelo Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola das Nações Unidas (FIDA) e pela União Europeia, com uma contribuição de 4 milhões de euros do FIDA, como parte como parte de uma verba total de 18,2 milhões de euros da União Europeia, o projeto trinacional beneficiará mais de 5.000 produtoras(es), sendo pelo menos metade mulheres, uma parte comunidades indígenas e tradicionais e grupos de jovens.
É executado pelo Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), no âmbito das unidades Tabuleiros Costeiros e Cerrados, como líder técnica a nível trinacional, sendo implementado por uma ampla rede de parceiros em três países do Sul global.
Durante o lançamento, foi assinado o Acordo de Cooperação Técnica (ACT) entre o IICA e a Embrapa Tabuleiros Costeiros, estabelecendo as bases para a implementação do projeto. Segundo Tereza Cristina Oliveira, Diretora Executiva de Administração da Embrapa, Raízes Agroecológicas promoverá a integração entre pesquisa científica, práticas agroecológicas e saberes populares. “Para avançarmos na transição agroecológica é preciso olhar a agroecologia como ciência, prática e movimento. Uma empresa pública tem a missão de validar e potencializar o conhecimento das comunidades rurais e dos movimentos sociais, que são fundamentais nesse processo”, afirma.
De acordo com o diretor-país do FIDA no Brasil, Arnoud Hameleers, a iniciativa trinacional é uma resposta coletiva à urgência de transformar sistemas alimentares, tornando-os mais justos, sustentáveis e resilientes às mudanças climáticas.
“Nosso compromisso é claro: apoiar quem produz alimentos saudáveis e sustenta a vida no campo. Ao investir em sementes locais, ferramentas adequadas e formação técnica, o projeto busca fortalecer a autonomia dos agricultores e agricultoras, garantindo que tenham as condições para decidir sobre o que e como produzir, em harmonia com o meio ambiente”, afirma.
Para Christophe Larose, da Direção-Geral do Desenvolvimento e Cooperação Internacional da Comissão Europeia, a atenção à agrobiodiversidade é um pilar essencial para a sustentabilidade dos sistemas alimentares e a adaptação climática.
“Um dos desafios que enfrentamos ao promover a agrobiodiversidade é, às vezes, a escala e o impacto das nossas intervenções e apoios. Por isso, para nós foi muito importante que este programa se conectasse a vários projetos de empréstimo do FIDA nos três países do programa de modo que haja alinhamento das atividades com as prioridades nacionais e, na prática, apoio às transições agroecológicas em nível nacional”, destaca.
Para Christian Fischer, Representante Adjunto do IICA no Brasil, as sementes crioulas são símbolo de resistência, adaptação e futuro sustentável. “As sementes crioulas significam mais carbono no solo, menos erosão e territórios mais resilientes. O que realmente alimenta o mundo não é apenas a comida que chega à mesa, mas todo o sistema que a torna possível”, destacou.
Segundo Lautaro Viscay, Coordenador Técnico da Reunião Especializada sobre Agricultura Familiar (REAF-Mercosul), o projeto marca um avanço importante na construção da co-inovação agroecológica em escala regional.
“Ao longo desses 20 anos na REAF-Mercosul, poucos projetos conseguiram promover contribuições regionais tão significativas quanto este busca. O Raízes Agroecológicas lança luz sobre questões centrais da co-inovação, articulando o conhecimento científico, tradicional e ancestral em torno das boas práticas e do cuidado com as sementes. É um exemplo concreto de como a cooperação pode fortalecer a agricultura familiar e a soberania alimentar no Mercosul. Precisamos acelerar o intercâmbio de conhecimentos e a pesquisa junto aos movimentos camponeses”, afirma.
Autonomia, biodiversidade e resistência climática com o MGP – O projeto trinacional “Melhoramento Participativo de Recursos Genéticos e Sistemas de Sementes para a Produção Agroecológica – Raízes Agroecológicas” integra o Programa Global para Pequenos Produtores Agroecológicos e Transformação Sustentável dos Sistemas Alimentares (GP-SAEP).
A ação oferece a agricultoras(es) e comunidades rurais capacitação e autonomia para enfrentar as transições agroecológicas, e busca fortalecer a inovação inclusiva liderada por famílias agricultoras, promovendo o Melhoramento Genético Participativo (MGP) e o Melhoramento Vegetal Evolutivo (EPB), a conservação da agrobiodiversidade e o intercâmbio de saberes entre países do Sul Global, além de fortalecer a disponibilidade de ferramentas e máquinas agrícolas adequadas à agricultura familiar e à produção agroecológica.
A iniciativa também segue as experiências do Projeto de Desenvolvimento Rural Sustentável na Região Semiárida da Bahia – Pró-Semiárido do FIDA em relação à conservação de sementes crioulas em bancos de sementes e ao apoio aos guardiões de sementes, fortalecendo e inovando por meio de metodologias de melhoramento participativo.
Segundo Doina Popușoi, Oficial Técnica para o projeto Raízes Agroecológicas e para o GP-SAEP na América Latina pelo FIDA, as metodologias de MGP, desenvolvidas pela Embrapa Cerrados e Tabuleiros Costeiros, já têm mostrado resultados promissores.
“Essas metodologias permitem que camponesas(es) desenvolvam variedades adaptadas aos contextos locais, mais resistentes à seca e às mudanças climáticas. Além disso, contribuem para melhorar o valor nutricional das sementes, promovendo uma alimentação mais saudável e ampliando a agrobiodiversidade nos territórios”, explica.
Doina destaca que, nas atividades de pré-implementação do projeto realizadas nos anos de 2024 e 2025 nas comunidades de Itabaianinha e Riachão do Dantas (SE) no Nordeste do Brasil, o projeto já registra avanços expressivos junto à Associação de Camponesas e Camponeses do Estado de Sergipe – ACCESE, que integram o Movimento Camponês Popular (MCP). Foram desenvolvidos dois corredores agroecológicos, e a produção de milho aumentou de 3 para 5 toneladas em apenas um ano, evidenciando o potencial transformador das práticas agroecológicas.
Dessa forma, o impacto de metodologias que unem ciência cidadã e conhecimentos locais contribui diretamente para autonomia de organizações comunitárias e de base da agricultura familiar: “Nosso objetivo vai além da produção: queremos uma sociedade justa, fraterna e igualitária, sempre irradiando a agroecologia como forma de produzir, de se relacionar com as pessoas e de garantir seus direitos”, afirma Ana Maria, dirigente nacional do MCP.
Para Ana Maria, um dos ganhos dos ensaios participativos que se tem observado é que “as(es) agricultoras(es) podem selecionar materiais genéticos adaptados às suas comunidades, priorizando não apenas produtividade, mas também resistência a desafios climáticos, como seca e chuvas irregulares”, afirma.
Segundo explica, na experiência mais recente desse ano, “semeamos 8 variedades de milho crioulo e vamos escolher essas variedades de acordo com vários aspectos, não só a produtividade, mas por exemplo qual resiste mais aos desafios as mudanças climáticas como a seca e o desafio das chuvas. Então as variedades que partem do melhoramento estão adaptadas às necessidades das(os) camponesas(es)”, afirma.
Além disso, o projeto contará com uma unidade de beneficiamento de sementes em Itabaianinha (SE), que segundo Ana, será um “banco mãe, garantindo que as(os) agricultoras(aes) es do Nordeste tenham uma retaguarda para armazenar e comercializar sementes com qualidade, apoiando políticas públicas locais”. Até o momento, o MCP já alcançou a marca de mais de 1,5 milhão de quilos de sementes crioulas beneficiadas, comercializadas e doadas para famílias camponesas, consolidando um impacto concreto na agroecologia regional.
Projeto trinacional Raízes Agroecológicas – Financiado pelo Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) e União Europeia. É executada pelo Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), sob a liderança técnica da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em parceria com organizações implementadoras nacionais. No Brasil, Movimento Camponês Popular (MCP)/Associação de Camponesas e Camponeses do Estado de Sergipe (ACCESE), além de uma organização da sociedade civil a ser contratada por processo seletivo na Bahia; na Argentina: Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária (INTA) e organizações locais; Bolívia: Instituto Nacional de Inovação Agropecuária e Florestal (INIAF), em parceria com a Fundação para a Promoção e Pesquisa de Produtos Andinos (PROINPA) e o Centro de Investigação e Promoção do Campesinato (CIPCA).