Apesar de seu papel crucial na produção de alimentos e na vida comunitária, as mulheres recebem menos do que os homens, enfrentam maiores obstáculos no acesso à propriedade da terra e também para obter financiamento.
São José, 28 de novembro de 2022 (IICA) — Somente o reconhecimento do trabalho não remunerado realizado cotidianamente pelas mulheres rurais e seu pleno acesso aos recursos produtivos garantirá a segurança alimentar e maiores oportunidades de desenvolvimento para as comunidades no campo.
Assim advertiram as ministras e vice-ministras de agricultura das Américas que participaram do III Foro convocado pelo Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA). Sua finalidade foi debater as prioridades da região quanto às políticas com enfoque de gênero nos sistemas agroalimentares.
O Foro de ministras e vice-ministras de agricultura das Américas é uma instância que tem a missão de aperfeiçoar políticas públicas e visibilizar o protagonismo das mulheres no desenvolvimento rural, favorecendo o reconhecimento pleno de seus direitos.
Apesar de seu papel crucial na produção de alimentos e na vida comunitária, as mulheres recebem menos do que os homens, enfrentam maiores obstáculos no acesso à propriedade da terra e também para obter financiamento.
O Foro, realizado de maneira virtual, foi aberto por Cecilia López Montaño, Ministra da Agricultura e Desenvolvimento Rural da Colômbia, que atuou como anfitriã, juntamente com o Diretor Geral do IICA, Manuel Otero.
Participaram Laura Suazo, Secretária de Estado nos Gabinetes de Agricultura e Pecuária de Honduras; Samantha Marshall, Ministra da Agricultura, Pesca e Assuntos de Antígua e Barbuda; Miriam Guzmán, Vice-Ministra de Desenvolvimento Rural da República Dominicana; Ivania del Carmen León, Vice-Ministra de Agropecuária da Nicarágua; Jenny Ocampo, Ministra de Desenvolvimento Agrário e Irrigação do Peru; e Lydia Ori, especialista em políticas agrícolas da Universidade Anton de Kom, do Suriname.
Além disso, María Noel Vaeza, Diretora Regional da ONU Mulheres nas Américas e no Caribe, e Javier Pineda, Professor Associado da Universidade dos Andes da Colômbia, expuseram sobre o papel da chamada economia do cuidado para o desenvolvimento rural das Américas.
Também foi apresentado o curso Formação Mulheres Rurais, elaborado pelo IICA e que ocorrerá em janeiro de 2023, respondendo a um pedido realizado pelas ministras e vice-ministras no II Foro.
Trata-se de uma ferramenta pensada para dotar as mulheres rurais de instrumentos práticos para fortalecer sua liderança e contribuir para a melhoria de suas capacidades como empreendedoras no âmbito rural.
Ele foi apresentado por Priscila Zúñiga, Gerente do Programa Equidade de Gênero e Juventudes, e Silvia Castellano, Especialista Técnica do IICA.
Patricia Vildósola, Diretora do suplemento Campo do jornal El Mercurio, do Chile, foi a moderadora da atividade.
Reconhecer o valor do cuidado
A Ministra colombiana, López Montaño, sustentou que o tema crucial que impede o pleno acesso das mulheres rurais aos seus direitos é a falta de reconhecimento da chamada economia do cuidado, que se refere ao tempo ocupado em dar atenção à família e aos trabalhos domésticos.
“A pandemia de Covid-19 destruiu muito dos avanços que as mulheres alcançaram através de décadas e expôs que falhamos. Ficou claro que o hiato real entre homens e mulheres nasce da diferença que existe entre eles no uso do tempo. Em pleno século XXI ainda vemos as mulheres como cuidadoras”, advertiu.
“O cerne do problema é continuar a pensar que o cuidado é uma responsabilidade da mulher. Na América Latina, em 2021, a contribuição econômica do trabalho não remunerado ficou entre 16 e 27% do Produto Interno Bruto. As mulheres dedicam quase 20% de seu tempo ao trabalho doméstico e não remunerado. Se as mulheres forem reconhecidas apenas com as atividades que fazem fora do lar, não há futuro”, advertiu.
Laura Suazo, além de Secretária de Honduras, Presidente do Comitê Executivo do IICA, uma das instâncias de governo do Instituto, ressaltou que, desde que as mulheres se tornaram protagonistas na agricultura, os tomadores de decisões se perguntaram como lidariam simultaneamente com a criação dos filhos.
“Nós nos preparamos e sabemos lidar com a questão familiar, mas mesmo assim geralmente não temos oportunidades de ocupar postos de alto nível. Em Honduras, foi necessário que houvesse a primeira mulher Presidente para que se confiasse a gestão do setor alimentar a outra mulher. São mulheres criando oportunidades para outras mulheres”, afirmou.
Samantha Marshall destacou que as mulheres rurais estão em desvantagem para obter acesso ao financiamento para melhorar seus negócios e também ressaltou que muitas não têm o apoio de suas próprias famílias.
“Em Antígua e Barbuda estamos incentivando que mais mulheres ingressem na agricultura de maior escala, apesar das dificuldades que os furacões e as inundações impõem ao Caribe, que estão mais frequentes graças à mudança do clima”, disse Marshall, que destacou o valor do trabalho de cooperação do IICA para fortalecer os pequenos agricultores caribenhos.
A Ministra do Peru, Jenny Ocampo, disse que a fome, a mudança do clima e a pandemia geraram cenários de constantes crises no mundo. “Isso — afirmou — nos obriga a olhar com mais cuidado para o nosso território e as mulheres rurais. A necessidade de assegurar a alimentação tem sido evidenciada, e a agricultura familiar é fundamental”.
Ocampo se referiu à pouca participação das mulheres rurais na tomada de decisões no Peru, dizendo que elas só presidem 18% dos conselhos de recursos hídricos de bacias e manejam apenas 30% da superfície dos lotes produtivos maiores.
León, Ministra da Nicarágua, falou sobre a importância do cooperativismo e da associatividade para reduzir os hiatos de gênero na agricultura familiar. Referiu-se também ao trabalho de seu ministério a prol de um melhor acesso aos mercados de comercialização por parte das mulheres rurais.
A Vice-Ministra dominicana, Miriam Guzmán, enfatizou que, se o trabalho não remunerado das mulheres rurais tivesse participação no Produto Interno Bruto dos países, a sua verdadeira importância seria visibilizada. “O temor de uma escassez de alimentos no âmbito mundial é uma grande oportunidade para colocar nossas questões no topo da agenda”, afirmou.
Mudar a perspectiva
Por sua vez, María Noel Vaeza, em nome da ONU Mulheres, sustentou que é necessária uma nova geração de políticas públicas agrícolas que incorpore as mulheres.
“Tomara que esse grupo de ministras, que é novo nas Américas, mude a perspectiva e contribua para reconhecer a carga desproporcionada que recai sobre as mulheres. É fundamental reconhecer a liderança e as contribuições das mulheres rurais e a importância de que participem da tomada de decisões. Precisamos fazer entender que o trabalho não remunerado é um trabalho, e também que se reconheça que os saberes das mulheres dos povos originários são fundamentais”, disse.
O professor Javier Pineda fez uma revisão das políticas públicas no continente que têm ajudado a melhorar a participação das mulheres
O compromisso do IICA com a transformação dos sistemas agroalimentares baseada em uma participação real das mulheres e na erradicação de práticas machistas históricas foi expresso por Manuel Otero.
“As mulheres produzem metade dos alimentos no mundo e, no caso dos países em desenvolvimento, entre 70 e 80%. Apesar disso, só possuem 15% da terra e recebem apenas 10% das receitas”, ressaltou.
“Se as mulheres rurais tivessem o mesmo acesso aos recursos que os homens, isso aumentaria a produtividade. É evidente que a incorporação da mulher geraria a transformação dos sistemas alimentares”, acrescentou.
Otero disse que só 15% dos ministérios da Agricultura são ocupados por mulheres na região e anunciou que o IICA se propõe a influenciar os órgãos internacionais de financiamento para que formulem políticas públicas que discriminem positivamente a favor das mulheres.
“Na reunião ministerial do ano que vem, esse tema estará no topo da agenda. Basta de diagnósticos. É tempo de passarmos à ação”, disse Otero.
No encerramento, o Diretor de Cooperação Técnica do IICA, Federico Villarreal, resumiu os pontos abordados no Foro e destacou a necessidade de sistematizar “o conceito de sociedade do cuidado” incorporando suas dimensões produtivas, ambientais e sociais, e que os homens intervenham nas transformações que sirvam para catalisar o empoderamento das mulheres.
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