Webinar sobre conectividade no Brasil promovido pelo IICA discutiu lacunas reveladas por estudos conduzidos este ano. No país, o sinal alcança metade da população rural. Nova legislação deve ajudar a alavancar investimentos.
Brasilia, 17 de dezembro de 2020 (IICA). O Brasil enfrenta o grande desafio de conectar a metade da população rural e melhorar a qualidade da internet da outra metade. Para esta missão, as políticas orientadas para a expansão da internet na ruralidade devem considerar a diversidade e as necessidades específicas das populações que vivem no campo.
Essas são algumas das reflexões dos especialistas que participaram no webinar Conectividade Rural no Brasil: desafio de inclusão – enfoques e perspectivas”, promovido pelo Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), na terça-feira (15/12), que reuniu representantes de órgãos e entidades parceiras do IICA, sob a moderação do jornalista Daniel Rittner do Valor Econômico.
Cerca de metade da população rural brasileira não tem acesso a internet de qualidade, segundo dados apresentados no webinar. Para o representante do IICA no Brasil, Gabriel Delgado, disponibilizar internet passou a ser uma medida de ocupação territorial. “Assim como em outros momentos da história trens, rodovias e estradas foram temas muito importantes para o desenvolvimento, o tema agora é a internet”, destacou ao abrir o encontro.
De acordo com dados do estudo Conectividade Rural na América Latina e no Caribe – Uma Ponte para o Desenvolvimento Sustentável em Tempos de Pandemia, parceria do IICA com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a Microsoft, no Brasil 47% da população rural têm acesso a conectividade significativa, ou seja, com sinal de qualidade e equipamento adequado.
Outro diagnóstico, focado no Brasil, conduzido pelo Grupo de Políticas Públicas da Escola Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq) e a Universidade de São Paulo (USP), com base no alcance da propagação física da onda do sinal no território brasileiro, revela que 46% dos pequenos estabelecimentos agropecuários têm sinal de 3G e 39% de 4G.
No caso dos empreendimentos médios, o sinal de 3G e 4G alcançam 44% e 34% respectivamente e no caso dos grandes empreendimentos, 39% e 27%. O sinal, porém, é de média qualidade.
“Em geral, na América Latina e no Caribe, a população urbana tem duas vezes mais acesso de qualidade à internet do que a população rural. No Brasil, 53% da população está sem acesso a conectividade significativa e o hiato de conectividade de qualidade entre a população urbana e rural é de 31%.”, detalhou o economista do IICA Joaquim Arias que, junto com cientista social Sandra Ziegler, coordenou o estudo IICA-BID-Microsoft com foco regional, que reúne informações de 24 países da América Latina e do Caribe divididos em três grupos: de alta, média e baixa qualidade de sinal.
O Brasil está no primeiro grupo, junto com Bahamas, Barbados, Chile, Colômbia, Costa Rica e Panamá. Quando considerados os 24 países do levantamento, 63% da população rural está sem acesso à conectividade significativa com padrões mínimos necessários. Quando o Brasil é excluído da amostra, a percentagem vai para 75%, devido ao peso populacional do país e por estar em posição relativa melhor do que os demais.
De acordo com o engenheiro agrônomo Alberto Barreiro, Coordenador de Análise Territorial do Grupo de Políticas Públicas (ESALQ/USP), o número de pessoas conectados no campo no Brasil é maior do que o declarado no último censo agropecuário (2017), quando 28% dos estabelecimentos disseram ter acesso à internet.
“O fato de a pessoa ter acesso não quer dizer que a pessoa saiba usar a internet ou saiba o que é internet. É possível que não tenha um aparelho ou só use o celular só para falar”, explicou Barreto, que coordena um levantamento de conectividade rural no Brasil no âmbito de projeto de cooperação técnica com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e o IICA, para subsidiar o governo federal na tomada de decisões sobre políticas públicas para o setor.
Contraste
Segundo Barreto, há no Brasil duas dinâmicas principais de produção agropecuária: aquelas de empreendimentos agropecuários de baixo rendimento e as inseridas no mercado global. “Dos cinco milhões de estabelecimentos agropecuários do país, três milhões, ou seja, 60%, tendem à perda da produtividade. São aqueles com renda de menos de R $25 mil reais por ano. No outro extremo, 1% está inserido na dinâmica global, com ganhos de produtividade, aumento de escala e incorporação de tecnologia de última geração”, comparou.
“A grande alavanca para otimizarmos sistemas de produção e a produtividade será por meio das ciências digitais”, apontou Cleber Soares, diretor de Inovação do MAPA. Segundo ele, foi com o uso de tecnologias que o Brasil saltou da produção média de 1.500 a 1.800 para 3.000 a 3.500 quilos por hectare em um período de cerca de 30 anos.
“As ciências que darão retorno à produtividade serão as digitais e temos que olhar para uma segunda camada que são as plataformas, em uma visão integradora, e para uma outra camada, que é a oferta de serviços por meios digitais”, completou Soares. Segundo ele, atualmente apenas 23% do espaço agrícola brasileiro tem algum nível de conectividade.
Ele explicou que o governo brasileiro considera quatro modelos de conexão para o campo. O primeiro é o de telecomunicações por meio de 2G, 3G, 4G e o 5G, o último depois do leilão do novo espectro de radiofrequência que deve ocorrer no início do próximo ano, de acordo com Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). As demais modalidades são conectividade por meio de satélite; fibras ópticas em localidades rurais específicas e bandas analógicas, ou seja, a denominada WEB TV, ainda em fase de regulamentação.
“Em novembro visitei um projeto do governo do Equador com o WEB TV Space, da Microsoft, que levou conectividade de uma escola em uma área remota do Equador. Os alunos puderam se conectar com outra escola no Peru, abrindo oportunidade de compartilhar experiências e culturas e, para alguns, de ter uma experiência de conectividade pela primeira vez. Foi muito emocionante”, relatou Luciano Braverman, diretor de Educação da Microsoft na América Latina, para quem “não há dúvidas de que uma população conectada tem mais oportunidade de trabalhar, gerar renda, ter conhecimento e acessar serviços como telemedicina e educação à distância, nova realidade que a pandemia acelerou”
Recursos e Legislação
O gerente de Regulamentação da Anatel, Felipe Roberto Lima, explicou que há uma fronteira de atratividade econômica para atender populações não adensadas, como as zonas rurais. “O Estado precisa garantir as fontes de financiamento para que os agentes privados façam os investimentos. Em novembro foi aprovado o Projeto de Lei 172, que muda a estrutura do Fundo de Financiamento das Telecomunicações”, disse.
Ele lembrou que, até então, este fundo só podia ser usado para projetos de expansão de telefonia fixa, foco no antigo arcabouço legal, da década de 90, que perseguiu a universalização deste serviço. “Agora o fundo poderá ser usado para quaisquer projetos para a expansão de acesso à internet. O fundo tem recursos acumulados pelas prestadoras que arrecadam um percentual do seu lucro”, explicou. As novas regras aguardam sanção presidencial.
De acordo com Lima, outros recursos disponíveis são editais de radiofrequência, cujo modelo estabelece contrapartida aos vencedores dos leilões, e termos de ajustamento de conduta e conversão de multas.
Capacitação e heterogeneidade
O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) vem analisando como os países da região têm manejado a conexão durante a pandemia. Segundo Marcelo Cabrol, gerente da Área Social do Banco, serviços como a telemedicina e educação não têm chegado ao setor rural. “Os contratos sociais mudaram, portanto, temos que pensar em softwares e plataformas adequadas ao mundo rural e em recursos humanos para capacitar as pessoas”, destacou.
“Quando falamos do mundo rural, não podemos pensar em um mundo homogêneo, pois há populações indígenas e precisamos trabalhar com elas considerando suas características. As mulheres da ruralidade têm necessidades diferentes das mulheres urbanas e, embora estejam no campo, os jovens que lá vivem são parte de uma geração digital e precisam ter a possibilidade de aproveitar tudo o que está acontecendo”, ponderou. Para Cabrol, essa diversidade ensina que produtos digitais desenvolvidos para a ruralidade não podem ser iguais e precisam considerar essa heterogeneidade.
“A expansão da tecnologia não ensina as pessoas como usar a tecnologia”, completou Barreto, para quem políticas para a ruralidade, inclusive as digitais, precisam considerar o tripé sobre o qual esse setor se sustenta: cooperativismo, assistência técnica e crédito rural.
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