A segurança alimentar é essencial para a sustentabilidade, afirmam ministros da agricultura das Américas em consenso inédito na COP27
Sharm El Sheik, Egito, 11 de novembro de 2022 (IICA) — O aumento da insegurança alimentar e a situação climática global são duas crises conectadas que representam uma enorme ameaça ao planeta e devem ser abordadas de forma conjunta e urgente, disseram os ministros de agricultura das Américas em um consenso inédito apresentado na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 27) e que busca posicionar solidamente o setor agropecuário nas negociações climáticas.
O consenso foi refletido em um documento lançado no evento “Abordando a crise climática pela inovação agrícola e a liderança nas Américas”, realizado no pavilhão Casa da Agricultura Sustentável das Américas em Sharm El Sheik, o balneário egípcio onde acontece a COP27, contando com a participação de ministros, vice-ministros e altos representantes de cerca de 20 países.
Nesse âmbito, os altos funcionários, Rattan Lal — maior autoridade mundial em ciências do solo e Enviado Especial do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) à COP27 — e o Diretor Geral do Instituto, Manuel Otero, também advertiram sobre iniciativas e propostas que não atendem às contribuições da agricultura para a segurança alimentar e o desenvolvimento sustentável e, em consequência, podem gerar, além da perda de oportunidades, um agravamento da crise alimentar e da situação de vulnerabilidade das pessoas mais pobres.
“Transformamos, juntos, essa grande agenda agroalimentar do continente em uma só voz. Juntos empenhamos um grande esforço e alcançamos esse consenso. Defendemos que não poderá haver sustentabilidade ambiental, se não houver segurança alimentar. Os agricultores não podem pagar pelo ajuste das transformações. Devemos ter zonas rurais prósperas, pois sem elas a equação será imperfeita. Como região, estamos dando um sinal de grande maturidade, pois, dentro de nossa heterogeneidade, temos uma visão”, disse Otero.
No documento, consensual por ministros e altos funcionários, a partir de um encontro organizado pelo IICA em sua sede central, em São José, Costa Rica, no qual se discutiu o papel estratégico do setor agropecuário da região para enfrentar a mudança do clima, os países das Américas concordaram que as COP, cúpulas realizadas uma vez por ano com a participação de especialistas técnicos, ministros, chefes de Estado e de Governo e representantes de organizações não governamentais, representa uma oportunidade para destacar a relevância, as contribuições e as necessidades da agricultura das Américas.
“Felicito o IICA. Ocupamos o espaço que, na discussão climática, corresponde à agricultura. Isso deveria ter acontecido há muito tempo, pois sem a segurança alimentar não há estabilidade política e social, e porque o papel da agricultura é central e fundamental para os países da região. Há tempos percebíamos a necessidade de estar aqui, na discussão, onde emanam correntes de opinião pública que são contrárias a nossos interesses. Devemos preservar o direito à produção. Somos mais do que fornecedores de alimentos. Temos um estilo de vida, devemos defender o produtor rural. Eles vêm fazendo um neoprotecionismo mundial com cara de ambiental, e isso deve ser discutido com base na ciência. Reivindicamos o direito de explorar nossos recursos naturais de forma sustentável”, disse, enérgico, Fernando Mattos, Ministro de Pecuária, Agricultura e Pesca do Uruguai.
Nesse sentido, os países se comprometeram a continuar fortalecendo a presença dos ministérios e secretarias de Agricultura, Pecuária e Pesca nos âmbitos de discussão climática nacionais, hemisféricos e globais, com o apoio do IICA e de outros organismos internacionais.
Laura Suazo, Secretária de Agricultura e Pecuária de Honduras, disse que seu país “reflete a situação de várias nações que vivem na pobreza”. Por isso, afirmou, “felicito o IICA por nos reunir aqui nesse espaço. Hoje, como nunca antes, temos mais ministros de agricultura participando de uma COP. Há muitas ações que não podem esperar mais. A mudança do clima tem impacto na produção e na segurança alimentar. É um eixo para as políticas, pois as secas e as inundações nos afetam com força. Precisamos da ciência e da tecnologia para responder adequadamente, pois nossos produtores não sabem se poderão continuar a colher café no futuro”.
Santiago Bertoni, Ministro da Agricultura e Pecuária do Paraguai, disse entretanto que “o documento feito pelo IICA e acordado por todos os países indica que somos parte da solução, depois de agricultura ter sido vista como uma grande causa de problemas ambientais, pelos quais, vale a pena repetir, não somos responsáveis. Nós somos responsáveis é pela segurança alimentar global. Somos um país, o Paraguai, no qual vivem 7 milhões de pessoas, e produzimos para quase 80 milhões. O que precisamos é de regras claras para o comércio, previsíveis e baseadas em ciência. É disso que precisamos”.
Limber Cruz, Ministro da Agricultura da República Dominicana, enfatizou a necessidade de financiar o setor agrícola e de expandir a cobertura de seguros no setor, para minimizar riscos. “O setor agrícola precisa de recursos, que ofereçamos, como fazemos em nosso país, financiamentos brandos para os produtores, cultivar o seguro agrícola, capacitar as pessoas, ter assistência técnica no campo e atrair os jovens para o setor, bem como cuidar e proteger certas áreas.
Enrique Parada Rivas, Ministro da Agricultura e Pecuária de El Salvador, também saudou o IICA por facilitar a participação dos ministros das Américas na COP27. “Obrigado, IICA, por facilitar essa reunião. Reconhecemos que atravessamos um momento delicado, temos tensões sociopolíticas, aumento de preços de insumos e de alimentos. Precisamos que a juventude se interesse em entrar em um setor pouco rentável. E para todos esses desafios, precisamos atuar juntos”, indicou.
William Hohenstein, Diretor de Políticas de Energia e Ambiente do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, felicitou o IICA por “liderar a voz da agricultura da região” e conclamou a trabalhar para expandir as transformações no setor, com mais financiamento, inovação e participação do setor privado, para aproveitar as oportunidades.
“A integração sempre é um anseio, um sonho, por isso é histórico: apresentar esse consenso na COP, um grande espaço, com enorme repercussão e que está abrindo lugar à agricultura, reconhecendo a nossa participação na segurança alimentar global”, disse Luis Villegas, Vice-Ministro da Agricultura da Colômbia.
Ariel Martínez, da Secretaria de Agricultura, Pecuária e Pesca da Argentina, ressaltou a ambição climática de seu país e lembrou que, embora produza 4% da oferta agroalimentar mundial, é responsável por 0,3% das emissões de CO2. “Não é possível que, com esse quadro, o nosso setor agropecuário se encontre questionado. E devemos defendê-lo em bloco, para ser ouvidos e enfrentar todos esses desafios”.
O Enviado Especial para a Segurança Alimentar Global do Departamento de Estado dos Estados Unidos, Cary Fowler, também participou do evento. “Obrigado ao IICA por essa liderança na região. Enfrentamos problemas de grande porte e magnitude. A produção, a industrialização, o transporte e a distribuição de alimentos estão sendo desafiados, o que afeta a quantidade, a qualidade e a disponibilidade, e isso impacta os mais vulneráveis. Precisamos adaptar os cultivos à mudança do clima, ou será impossível responder à demanda de alimentos”, disse.
O Secretário de Inovação, Desenvolvimento Rural e Irrigação do Brasil, Cleber Oliveira Soares, também felicitou o IICA e enfatizou “a contribuição imprescindível que a agricultura pode fazer à segurança climática, energética e alimentar”.
No texto do documento consensual, também se apoiou o processo global de negociações climáticas, que tem um capítulo crucial no Egito, e se enfatizou que deve favorecer uma transição justa para uma agricultura mais adaptada, resiliente ao clima, baixa em emissões de gases de efeito estufa (GEE) e com maior capacidade de sequestro de carbono.
Esses objetivos, explicaram, devem ser facilitados por maiores investimentos climáticos, níveis efetivos de financiamento, desenvolvimento de capacidades e o reconhecimento de que não existem modelos únicos de produção.
Os países das Américas compõem uma região que é uma das principais produtoras e exportadoras mundiais de alimentos e, ao mesmo tempo, o seu setor agropecuário, particularmente no Caribe e na América Central, mas também no sul do continente, é altamente vulnerável à mudança do clima.
Neste sentido, o documento indica, com preocupação, que a produção, os meios e os sistemas de vida e recursos naturais foram afetados, o que tem exacerbado a pobreza e a fome e aumentado a insegurança alimentar mundial.
Práticas sustentáveis
Os ministros destacaram que a agricultura das Américas vem fortalecendo a sua sustentabilidade há anos, incorporando práticas e tecnologias que levam a um aumento sustentável da produção de alimentos e a uma redução de sua pegada ambiental. “Por isso, afirmamos que a agricultura é parte da solução para a crise climática”, diz o documento.
Indicaram também que a transição em andamento dos sistemas agroalimentares para uma maior sustentabilidade requer esquemas dinâmicos e efetivos de ciência, tecnologia e inovação agrícola que fomentem a participação da agricultura familiar e dos jovens e uma maior equidade de gênero nos sistemas agroalimentares.
Também disseram que a ciência deve ser a base das normas comerciais, e sustentaram e advertiram que as medidas adotadas para combater a mudança do clima não devem representar uma restrição disfarçada ao comércio internacional.
Os ministros chamaram a atenção para o fato de que os custos e riscos associados ao impacto da mudança do clima no setor agrário, bem como os investimentos necessários para a transformação da agricultura, não poderem ser assumidos de forma exclusiva pelas produtoras e produtores. Por isso, devem ser implementados programas de financiamento que considerem os orçamentos públicos, o financiamento internacional para o desenvolvimento, os sistemas bancários e os mercados de capitais.
No documento, ao mesmo tempo, os países das Américas assumiram o compromisso de fortalecer o desenvolvimento de boas práticas agropecuárias e pesqueiras orientadas para a melhoria da gestão da água, da saúde e da recarbonização dos solos, a redução das perdas e desperdícios de alimentos, o fomento da bioeconomia e da economia circular, o uso racional e preciso de fertilizantes, o fomento dos sistemas agrossilvopastoris e outras medidas que proporcionem benefícios compartilhados.
Mais informação:
Gerência de Comunicação Institucional do IICA.
comunicacion.institucional@iica.int