Documento apresentado no pavilhão do IICA na COP28 mostra que emissões de GEE atribuídas à pecuária bovina não são adequadamente contabilizadas e são menores do que as alegadas
DUBAI, Emirados Árabes Unidos, 5 de dezembro de 2023 (IICA) — A pecuária bovina tem um impacto muito menor no aquecimento global do que o alegado, se forem medidas as emissões de gases de efeito estufa que efetivamente lhe correspondem, às do período de criação dos animais, e excluídas as que são atribuídas a ela, que provêm de outros setores da economia, revelou um estudo apresentado no pavilhão do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) na COP28.
O estudo, refletido no documento “Pecuária bovina e mudança do clima nas Américas: rumo a modelos de desenvolvimento baixos em carbono” de autoria do cientista argentino Ernesto Viglizzo, adverte que as publicações que atribuem à pecuária bovina uma parte significativa da responsabilidade sobre a mudança do clima estão equivocadas, pois lhe atribuem emissões que não correspondem a ela, provenientes de outros setores da economia, como o industrial, o de transporte, o residencial, a distribuição ou o consumo doméstico.
O pesquisador indica no estudo que apenas as emissões da atividade pecuária deveriam ser imputadas às cadeias da carne bovina. “Um produtor pecuarista — indica — não pode carregar sobre suas costas as emissões que não dependem estritamente de suas atividades, mas de outros setores”.
Alguns países importadores de alimentos utilizam um sistema chamado de Pegada de Carbono, por meio do qual estimam as emissões de um produto, frequentemente levantando barreiras comerciais a produtos que ingressam de países terceiros, que, no caso da carne bovina, incluem não só as emissões geradas pela produção pecuária, mas as que ocorrem em outros setores, como os frigoríficos, o transporte e a distribuição atacadista ou varejista.
Essa metodologia, que lança um resultado muito elevado, difere da recomendada pelo Painel Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança do Clima (IPCC), maior autoridade científica mundial na questão, que imputa as emissões aos setores que a geram.
Setores como o de frigorífico, de transporte e de distribuição, posteriores à atividade pecuária, geram grande quantidade de emissões, uma vez que consomem combustíveis fósseis, principais responsáveis pela mudança do clima.
Viglizzo é referência internacional em temas de pecuária, solos e mudança do clima e Principal Pesquisador do Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária (INTA) da Argentina e da principal organização científica estatal de seu país, o CONICET. Engenheiro Agrônomo, com Doutorado pela Universidade Católica de Lovaina (Bélgica), é também membro da Academia Nacional de Agronomia e Veterinária da Argentina.
Entre os serviços que tem prestado figura o da coordenação do Programa Nacional de Gestão Ambiental do INTA e do IICA-PROCISUR.
Além disso, integrou equipes científicas de organizações internacionais que estudam a mudança do clima e o ambiente global, como o IPCC, GEO 5, Millennium Ecosystem Assesment e Subglobal Assessment, entre outros.
Por sua contribuição científica ao IPCC, foi homenageado com uma réplica do Prêmio Nobel da Paz de 2007, que o IPCC compartilhou com Al Gore, Vice-Presidente dos Estados Unidos.
Por convite, tem dissertado acerca do problema climático e ambiental das Américas nas Universidades de Harvard e Oxford, bem como em eventos realizados em Paris, Berlín, Genebra, Lovaina, Stellenbosch (África do Sul) e universidades da América Latina. Também é convidado como editor e coeditor de números especiais de prestigiosas editoras científicas internacionais, como a Springer-Nature e a Elsevier.
Participaram da apresentação do documento no pavilhão do IICA o Ministro de Pecuária, Agricultura e Pesca do Uruguai, Fernando Mattos; a Secretária de Inovação, Desenvolvimento Sustentável, Irrigação e Cooperativismo do Ministério da Agricultura e Pecuária do Brasil, Renata Miranda; o Diretor Geral do IICA, Manuel Otero; o Diretor Geral Adjunto do Instituto, Lloyd Day — que atuou como moderador —; e Ruaraidh Petre, Diretor Executivo do Global Roundtable for Sustainable Beef (GRSB).
Mattos elogiou o documento elaborado por Viglizzo e assegurou que “nas últimas décadas, temos sido vítimas de embates muito danosos para a imagem do setor agropecuário, que tentam nos responsabilizar como uma das maiores causas das emissões de gases de efeito estufa (GEE). Mas é o único setor produtivo da economia que é imprescindível para a segurança alimentar e deve ser interpretado como o que é: um setor que captura carbono”.
O ministro uruguaio acrescentou que “somos essenciais para a segurança alimentar do mundo e devemos continuar insistindo para que os fundos para ajudar na adaptação estejam disponíveis para os países que estão sofrendo os maiores efeitos da variabilidade climática”.
Por sua vez, a Secretária (Vice-Ministra) do Ministério da Agricultura e Pecuária do Brasil indicou que “quando falamos de pecuária e mudança do clima, devemos falar sobre a redução das emissões e sobre a adaptação, pois se não nos adaptamos, não teremos condições de produzir alimentos no futuro”.
A funcionária brasileira, que manifestou a sua satisfação com o conteúdo do estudo e felicitou ao IICA por promover esse tipo de publicação, assegurou também que “precisamos lembrar quem são os maiores emissores (de GEE) e o setor do qual essas emissões provêm”.
Ruaraidh Petre, por sua vez, agradeceu ao IICA pelo documento, defendeu uma “indústria que alimenta pessoas” e lembrou que “sem comida não podemos ter essa discussão, estaríamos com fome”.
Pediu, nesse sentido, “não jogar com um setor que salva e alimenta vidas” e destacou a sua capacidade de sequestrar carbono. “Podemos alimentar 9 bilhões de pessoas sem aumentar emissões de gases de efeito estufa. Somos o setor que tem a capacidade de sequestrar carbono e alimentar o mundo”, disse.
Otero, por sua vez, recordou, entretanto, que a pecuária responde por metade do PIB agrícola da América Latina e do Caribe, e que gera divisas de 23 bilhões de dólares com a carne bovina, além de outros de 3 bilhões com produtos lácteos.
“Na região, a pecuária realizou importantes avanços para a transformação de sistemas pecuários sustentáveis, com estratégias para reduzir os impactos na água, solo e emissões, inclusive com o desenvolvimento tecnológico e a adoção de boas práticas. Devemos demonstrar isso perante os diferentes foros internacionais, e estamos fazendo isso”, destacou.
Influência que não supera 5%
“Se forem imputadas ao gado bovino unicamente as suas emissões biogênicas (as produzidas pelas vacas), seria facilmente comprovado que o seu impacto no clima global é muito menor do que o estimado. Atualmente esse valor não supera 5% das emissões globais, e tende a diminuir percentualmente quando comparado com as emissões globais de carbono de todos os setores da economia e da sociedade”, indica o trabalho de Viglizzo.
O documento afirma que o impacto global é menor, quando se estimam as emissões do gado nas Américas, posto que predominam os sistemas pastoris, que têm a possibilidade de compensar, total ou parcialmente, as emissões do carbono do gado mediante a fotossíntese.
Resultados de pesquisas de campo refletidas no estudo demonstram que é possível diferenciar, mediante métodos relativamente simples, os produtores que geram créditos de carbono daqueles que não o fazem. Assim, abre-se a porta para valorizar os primeiros, que são parte da solução da mudança do clima.
O cientista propõe que as Américas iniciaram um processo de transição para modelos de desenvolvimento pecuaristas baixos em carbono. Nesse contexto, o carbono capturado deveria ser credenciado como um commodity comerciável, como é o caso da carne, do leite e dos grãos. Quanto à redução de emissões, a região deveria ser incluída em projetos que certifiquem créditos por esses resultados.
Também deve se levar em conta que a emissão de metano, o gás de efeito estufa predominante na pecuária bovina, tem um tempo médio de residência na atmosfera de cerca de 11,8 anos, muito menor do que o tempo de residência do dióxido de carbono, que se estima em uns mil anos.
O trabalho acrescenta: “Outro aspecto importante, geralmente ignorado nas linhas argumentais dominantes, é que a incidência do gado bovino de corte nas emissões globais de carbono tem tendido a diminuir persistentemente nos últimos 60 anos. Isso simplesmente significa que as emissões devidas à queima de combustíveis fósseis cresceram a uma taxa significativamente maior do que a taxa de aumento das emissões biogênicas do gado bovino”.
No estudo também são percorridos os pacotes de tecnologia climaticamente inteligentes que já estão sendo aplicados na pecuária, e com os quais é possível capturar dezenas de bilhões anuais de carbono e gerar balanços positivos que beneficiariam a todas as cadeias agroalimentares.
Algumas dessas práticas são: projetos de diversas configurações silvopastoris; uso de emendas orgânicas; intemperismo de rochas (rock weathering), por meio da trituração de silicatos que produzem captura inorgânica de carbono atmosférico; elaboração de fertilizantes por meio de energias renováveis; uso de aditivos redutores de metano em ruminantes; redução de perdas e dejetos de alimentos; aplicação de carbono vegetal por combustão de biomassa (biochar); e produção de biofertilizantes e biogás a partir de fezes e urina.
Visões distorcidas
O documento adverte que, nos últimos 20 anos, numerosos meios acadêmicos e cientistas do mundo têm focado no impacto supostamente negativo da pecuária bovina sobre o ambiente, o clima e a saúde humana.
O trabalho apresentado no pavilhão do IICA enfatiza que essa visão omite a consideração dos papéis e funções essenciais que os sistemas de produção bovina desempenham em ambientes e ecossistemas.
Além disso — diz o texto —, esse ponto de vista ignora o papel essencial que a pecuária bovina cumpre sob o ponto de vista da segurança alimentar e o papel que ela cumpre na realidade social e nas economias dos países em desenvolvimento.
No caso das carnes e lacticínios, além disso, são setores chaves para melhorar a receita dos pecuaristas em regiões pouco desenvolvidas, e são uma fonte de divisas que estabiliza as economias dos países produtores e exportadores.
“Esses são aspectos de alta relevância social que muitas vezes os centros acadêmicos e cientistas de países industrializados omitem seletivamente”, conclui o estudo.
O pavilhão Casa da Agricultura Sustentável das Américas foi instalado pelo IICA e seus 34 Estados membros e organizações parceiras dos âmbitos público e privado na COP28, a 28ª edição da Conferência das Partes, órgão político supremo da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (CQNUMC), que dispõe de 197 Estados partes.
Até o dia 12 de dezembro, o pavilhão albergará as discussões do mais alto nível sobre o papel da agricultura das Américas nos esforços de mitigação e adaptação ao aquecimento global.
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