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A agricultura do futuro tem que ser agora, afirmam especialistas na quarta sessão do AgriTRop2021, que discutiram caminhos para garantir a segurança alimentar no mundo, que já soma 800 milhões de pessoas com fome e projeta população de 10 bilhões para 205

Financiamento verde, digitalização do campo, pesquisa e organização coletiva

País de publicación
Brasil

 

Sessão 4 Agritrop
Sessão qatro AgriTrop2021 - captura de tela

Brasília, 25 de março de 2021 (IICA) - Aumentar e regular o financiamento verde, incentivar sistemas nacionais de pesquisa agropecuária, promover a digitalização inclusiva do campo, investir em inovações para atender ao crescente aumento da demanda por proteínas e cooperar para adaptar as formas de produção para se preparara para os fortes impactos climáticos, foram alguns dos temas da sessão de ontem da Semana Internacional de Agricultura Tropical – AgriTrop 202, sob o título  Desafios e inovações institucionais para uma nova etapa do desenvolvimento da Agricultura Tropical no Mundo.

Desde segunda-feira, especialistas de vários países da Europa, África e América Latina estão reunidos para compartilhar expertises sobre sistemas alimentares, convergência das agendas agrícola e ambiental, além de desafios e inovações relacionados ao futuro da alimentação mundial. Organizada pela e pelo Instituto Interamericano de Cooperação Agrícola (IICA), o evento vai até sexta-feira (26/03) e também tem o objetivo de colher contribuições para a Cúpula Mundial de Sistemas Alimentares, das Nações Unidas, marcada para setembro.

Pedro Martel, chefe divisão de Economia, Meio Ambiente e Desenvolvimento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) destacou dois avanços institucionais que considera importantes: melhorar os sistemas nacionais de pesquisas e a disponibilidade e marcos regulatórios para os financiamentos verdes. 

“O Brasil, por exemplo, destina 1,82% do PIB agrícola enquanto Guatemala destina 0,14% e na maior parte dos países destina menos de 1%. Os investimentos em capacidades humanas, em doutores e pesquisadores, estão concentrados no Brasil, na Argentina e no México. Os demais países da região têm poucos pesquisadores”, comparou. “Este é ponto central e mais importante com relação a mudanças institucionais”. 

De acordo com Martel, os volumes de financiamento verde são pequenos em comparação com os financiamentos ordinários. “Austrália, Nova Zelândia e Canadá são exemplos positivos que têm mais 50% dos seus ativos financeiros nesta modalidade. A América Latina tem pouca participação do setor financeiro e poucos instrumentos de apoio, além de faltar definições claras sobre o que são fundos de financiamento verde”, disse, e ressaltou que há, ainda, uma preocupação com fundos que passam por verdes, mais não são. “Este é um debate e um tema regulatório importantíssimo”.

Desperdício

Para Gustavo Chianca, representante-adjunto da FAO no Brasil, a agricultura tropical é uma das chaves para reequilibrar a segurança alimentar no mundo e, para isso, a digitalização no campo deve ser priorizada. Ele também apontou a bioeconomia como parte da solução, especialmente no aproveitamento de resíduos de culturas agrícolas na alimentação. “Dessa forma, além de contribuir para a segurança alimentar, agregamos valor aos produtos agrícolas”, pontuou.  

Ele afirmou que, até o início dos anos 2.000, houve crescimento da produção alimentar, mas a partir dos anos de 2014, o cenário mundial começou a piorar especialmente na região subsaariana, em grande parte devido a conflitos e mudanças climáticas e a pandemia de Covid-19 agravou ainda mais a situação a partir de 2020.

No entanto, ele afirmou que um dos maiores problemas é o desperdício e as perdas de alimentos que ocorrem desde a colheita até a distribuição. “O total de alimentos perdidos e desperdiçados hoje no mundo é de 220 milhões de toneladas por ano, ou seja, 330 kg per capita. O impacto econômico no PIB global é de aproximadamente 150 bilhões de dólares”, revelou.  

Ele avalia que os países do cinturão tropical devem investir em novas culturas agrícolas e em proteínas alternativas, pois a produção mundial gira em torno de cinco commodities. “Precisamos diversificar essa gama de produtos para beneficiar especialmente a população à margem do desenvolvimento. Muito se fala no futuro, que precisaremos aumentar a produção de alimentos para atender ao aumento populacional, que deve chegar a 10 bilhões de pessoas em 2050. Mas hoje temos 800 milhões de pessoas com fome no mundo. Portanto, o problema é atual e premente”, frisou.

Inovação para atender demanda por proteína

Katherine de Matos, do The Good Food Institute (TGFI), que moderou a sessão, lembrou que a demanda mundial por proteínas é crescente e que, até 2050, a população mundial deve aumentar em 30%, chegando a 10 bilhões, de acordo com as projeções.  “Por isso, as proteínas alternativas são opções interessantes e viáveis para esse desafio de alimentar o mundo de uma forma mais sustentável. Gosto de frisar que as proteínas alternativas são um mercado que vem para somar e permitir atender uma demanda real”, enfatizou

Segundo ela, pesquisa realizada pelo IBOPE, realizada pelo TGFI, aponta que 50% das pessoas entrevistadas informaram que reduziram o consumo de carne. “o Brasil já exporta esse tipo de produto para o mundo. A maioria desses produtos hoje está sendo produzida a partir de soja, plantada no Brasil, e de ervilha, que é importada. As indústrias estão interessadas em outras fontes e outros tipos de ingredientes vegetal, e nós acreditamos que a agricultura tropical tem papel fundamental para essa nova categoria de produtos”, disse e lembrou que há pesquisas para produção de proteína a partir da folha de mandioca, na UniCamp, e a partir do reaproveitamento da fibra do pedúnculo do caju e a partir do feijão, ambos na Embrapa.

Cooperativismo

Raj Vardhan, da Associação Internacional de Gestão de Alimentos e do Agronegócio (IFAMA, na sigla em inglês), apresentou algumas das forças e das fragilidades da agricultura na Índia, onde 1,3 bilhão de pessoas dependem da agricultura, em grande parte, de subsistência, com baixo nível de mecanização.  

Entre as vantagens, ele citou as cooperativas, que, segundo ele, são bem organizadas, o que ajuda a aumentar o poder aquisitivo dos produtores. Ele citou o Mercado Agrícola Nacional Eletrônico (Enam), uma plataforma iniciada em 2016, que vincula mercados, criada com o objetivo de ajudar os produtores a decidirem preço e estratégias de venda. “Mas ainda temos problemas relacionados ao pagamento online. O governo está tentando melhorar a base de dados para que cada produtor tenha uma identidade única”, explicou.

Outro ponto positivo que ele destacou é o fato de que os jovens indianos têm escolhido permanecer no campo. “Muitos estudaram engenharia e na Índia temos ótimas universidades. A agricultura entre os jovens continua a se expandir e a forma de trabalhar está evoluindo. Os agricultores estão usando, cada vez, máquinas para ajudar na colheita e no plantio”, comemorou.

Entre os maiores desafios, ele citou problemas de infraestrutura. Embora a Índia tenha a maior rede ferroviária e a segunda maior rede de rodovias do mundo, segundo Vardhan, o país possui um número pequeno de depósitos para a quantidade de grãos produzidos. Além disso, ele disse que é preciso investir na manutenção da malha ferroviária para ajudar no transporte de grãos e para escoar alimentos para todo o país. “Estamos tentando impulsionar o tráfego nas vias navegáveis como uma opção logística”, explicou.

Além do armazenamento, o outro grande desafio do país é disponibilidade hídrica. Ao mesmo tempo que há riscos e inundação no Norte, há risco de escassez no Sul. “Infelizmente, a qualidade da água da Índia é baixa e isso afeta a população.

Clima , infraestrutura e desafio demográfico

Alguns dos desafios do continente africano, apesentados por John Purchase, do AgBiz, África do Sul, são semelhantes ao da Índia, como clima e infraestrutura.  Segundo ele, o continente é o mais afetados pelas mudanças climáticas. “Hoje já enfrentamos sérios problemas com secas e inundações em vários países”, ressaltou. É também o que apresenta o pior cenário em termos de insegurança alimentar.

Entre os fatores que levam a esse cenário, Purchase destacou o alto crescimento demográfico. A previsão é que a população do continente chegue a dois bilhões em 2050 e dobre até 2100, alcançando quatro bilhões. Outro desafio é o crescimento das importações na África Subsaariana. “A África precisa melhorar sua produção agrícola para explorar seu potencial comercial”, afirmou Purchase, lembrando que o clima da região subsaariana é muito similar ao do Brasil.

Segundo ele, o continente tem enorme potencial de crescimento agrícola no que se refere a recursos naturais, subutilizados, especialmente no que se refere a terra e a água. Outras limitações apontadas por Purchase, são de ordem logística de infraestrutura de transportes, que prejudicam embarques para a Europa e Oriente Médio, além da conquista de novos mercados. “A África tem produtos nativos importantes como coco e café, entre outros, que poderiam ser mais exportados, além de ajudar a alimentar outros países que enfrentam problemas de aumento populacional, mas é premente investir em infraestrutura e logística”, ponderou.

Como soluções potenciais, ele ressalta a necessidade de uma política de gestão ambiental eficiente, incluindo questões ligadas à posse da terra; acesso a financiamento, tecnologia, capacitação, informação e mercados; fortalecimento de cadeias produtivas sustentáveis

Eventos extremos e deslocamentos

Jason Clay, do WWF, destacou que os eventos extremos, provocados pelas mudanças climáticas, vão alterar as formas de produção. “Nós precisamos mudar a forma de olhar para o mundo. O século 21 vai observar mais mudanças nos sistemas alimentares do que jamais tivemos, e isso irá acontecer desde a produção até o consumo”, disse, e chamou a atenção para os deslocamentos. “Há mudanças do Leste para o Oeste e tudo que está no centro e no Sul vai se deslocar para o Norte e isto já está acontecendo nos Estados Unidos, mas pode ser observado no resto do mundo também”, afirmou.

 Segundo ele, os eventos extremos terão impactos globais e todos serão afetados sobre como, onde e quando produzir alimentos. Esta projeção sugere que de 2030 a 2039, o mundo será mais seco, algumas partes estarão melhores, como as localizadas mais para o norte, como Canadá e a Rússia, entre outras partes variadas, na Argentina, no Brasil e na Indonésia”.

Como exemplo, ele citou projeções para a agricultura nos Estados Unidos, com dados que sugerem redução drástica na produção de milho entre 2010 e 2100, o que causará enorme impacto no mercado mundial. “Temos que estar prontos para mudar nossas práticas e para medir resultados, pois as práticas são os meios e não o fim. Para isso, precisamos de inovação, pois o que é sustentável hoje, com a quantidade de pessoas que temos e com o clima atual, em anos já não será mais”.

Ele acredita que a produtividade vai aumentar no século 21 e a agricultura será muito competitiva, mas que, para isso, os agricultores precisam conversem e cooperar. Como exemplo, ele citou o caso da plataforma do salmão, criada entre 15 empresas que concordaram com a redução do impacto socioambiental e com certificação. Ele ressaltou que ainda há outros problemas a serem consideramos, como o uso da ciência e as metas de redução na emissão de CO2.